Saturday, December 22, 2007

Músculo.

Importa-me a mim, eu que me importo, cada vez mais com a luz da porta, quem lá vem e porque, vem que te recebo, de braços abertos e coração fundo, vem que te recebo.
Só não me digas que o bebé é lindo, se não te nasceu voz para isso, não digas,
nem o salário do marido cantado, tão pouco a monstruosa habilidade de um filho, inteligência e as melhores laranjas, se não te nasceu voz para isso, não digas.
O ar da garganta, embora o saiba mais dentro, vive na boca um gatilho, nunca disparas ao centro, nem do centro, que devias querer como um filho.
Algumas nos olhos, outras na boca, e ainda na distância, duas palavras chegam, uma mão por vezes, meiga gente de lábios que durarão para sempre, sou teu, assim sou teu.
Anseio por pessoas que cheguem da aldeia e a mim, campos verdes e gotas de orvalho, cristalinas, verniz manhã para unhas de água.
Pessoas que não entrem onde mil se juntam por nenhuma, um autocarro serve, sorrir-te,
um livro de onde se ergueram os olhos, a carícia de uma maçã antes da boca, ouvir-te.
Disposto a esperar por ti com a delicadeza de um intervalo de formigas, por saber ao que leva o caminho, ou não saber nunca, ser ainda mais delicado para esse grão de areia minúsculo que faz do amor um músculo.

Sunday, December 2, 2007

Uma sopa no inverno

Lembras-te Fernando, sei a sangue que sim, mas não me ocorre outra forma de te chamar para junto de mim, lembras-te, nós os dois em Óbidos, domingo de manhã, e aquela luz única, de dentro, de fora, de tudo, luz, quando nos sentimos felizes até a calçada nos sorri, e tapetes debruçados nas janelas,
gente que ali vive entre muralhas de abraçar a defesa, onde o calor da tarde namora a sombra fresca, lembras-te.
Os dois de arlequim, a cantar para o chapéu, deu para o almoço.
Uma pequenina de cabelo trigo, que nos levou para dentro do coração dela, quero crer nisso, que um dia virá um palhaço, um outro arlequim, uma canção, um sorriso, uma febre, e ela dirá, lembro-me.
Volto para dizer que quando se despediu timidamente de nós, o olhar dela não levou o sentido dos pés, acabou lá longe, quando virou a cabeça, e depois disso já deve estar crescida.
Fernando, amigo, por vezes digo para mim, porque sou de saudades, porque sou tanto do que fui, antes que me digam a batida, porque somos o que fomos e aquilo que nos fizemos, está bem, gosto de voltar, é simples e chega.
Foram boas as viagens, amigo, manhã cedo, como eu gosto de manhã cedo, como se fosse um lugar, que o é, e a minha respiração sabe-o, o dia a nascer à direita da minha casa e eu com ele, vindos do sono como uma sopa no Inverno.

Sunday, November 25, 2007

O lago

Uma cara, porque a cara é de cima para quem está de pé, o que se procura quando em trânsito vamos, corpos parecidos e logo luzes nos lugares angulares nos dão o erro, não eras tu, mais uma vez não eras tu, mas eu sigo ainda mais circular ao teu encontro, raso ao coração como um isqueiro de outro fogo, ali vivem os comboios, dormem e acordam, chegam e partem, dali vem o meu casulo.
A oriente me desnudo, sem a máscara ancestral de tudo, o tempo do meu governo sou eu, é o que te quero dizer, para diante…
Enquanto houver uma migalha de sol, uma mingua de lua, uma praia secreta para um coração que explode ao ver-te, estarei salvo, com os olhos cobertos de fumo, a língua de cortiça, os lábios de pano e as pernas últimas de chegar mal articuladas, ainda assim a paisagem que me foi anterior me salvará.
A partir de hoje será assim, impulso apenas, demorado só para o essencial, e o essencial és tu, vida que não sei quanto dura, eu de dentes de oiro sob um céu de cinza, sangue a rasgar o negro, gruta urbana de sorrisos incrustados, lágrimas de gelo, escuridão ferida por uma faca de luz, coração de escuteiro ainda.
Um lago, no mais profundo da terra, margens de areia ligadas que a água acaricia, o teu corpo livrando-se, da superfície e da mágoa, o teu corpo dobrando-se na água, entrando
livre como um caminho, afastando-se, afundando-se, iluminando tudo o que ferve de luz, o teu corpo alvo, de seta e de cor, agora sim, todos os significados, tudo quanto é mensurável, jardins diurnos e nocturnos, flores inacabadas, mãos a três dedos do rosto,
palavras escritas no dorso dos peixes, azul de voar para dentro de um abecedário, deficiente mental sorve gelado de menta, tudo, tudo faz sentido e ainda não chega para completar o que jamais se completa.
Não os mando à merda porque não vale a pena, não merecem, é uma palavra muito preciosa, vão antes com as estrelas e beijem-se muito, Mira d’aire talvez lhes sirva, tem qualquer coisa de Francês ao contrário, muito subterrâneo.
Mergulha amor, mergulha tu, como ainda há pouco porque me distraí, subi antes de tempo para o nojo, desculpa, nada como o teu coração húmido, chamei-te terra e tu subiste, soubessem eles a existência de um sol e uma lua de bolso sobre esse lago,
ainda bem que não sabem, fiquem nas suas piscinas, é lá que terão de viver.

Monday, November 19, 2007

Tomás

Soube que casaste, tens um filho chamado Tomás, trabalhas e vives no lugar onde nos deixámos, sinto-te feliz, daqui sentado sinto-te feliz, não deves ter ido de noiva, talvez de calças de linho, camisa e dois botões por casar, agora um anel no dedo dele.
As rugas dos olhos um pouco mais fundas e novos cabelos brancos cobertos de tinta,
continuarás a passar a língua pelos lábios, movimentos esses que dificilmente nos abandonam, acredito que estejas assim, mais agora não sei…
As mulheres gostam de ser mães, eu conheço-te a ti, imagino um sol de fraldas todos os dias, e os teus olhos grandes resistentes à luz.
Leve na vida como quem apaga ruídos desnecessários, pés pequenos, seios de menina, escuros no centro, lembro-me de te rires com lágrimas, de chorares denunciando-te, lembro e sinto-te feliz daqui sentado.
O teu cheiro não, já não é coisa para mim, o barro da memória, esses dedos sim,
como um liceu de saudade a sorrir baixinho na formatura, é desse modo que me chegas de vez em quando, abraçamo-nos de longe e queremo-nos bem.
Enquanto for vivo saberei de ti, num copo de água ou num oceano maior, não importa o lugar onde me encontre, os dias nasceram de frente, eu e tu, os dias continuarão a nascer de frente, é isto que sempre saberei de ti.

Monday, November 12, 2007

Sexo e cigarros.

Acabei há pouco os cigarros, acabei há pouco de tentar fazer sexo, fumei o ultimo depois de o ter tentado fazer, ainda me deitei com ela, beijo para cá, beijo para lá, em todos os lugares do corpo, se é que isso é possível, em todos os lugares do corpo, ainda acredito que seja, um dia destes, em todos os lugares do corpo.
Nunca escrevo sem fumar, não sei muito bem porquê, um atrás do outro, talvez me estimule, para não lhes dar agora muita importância, digo que talvez me estimulem,
os cigarros, telefonei-lhe, andava por perto, veio, sim, é assim vazio como isto, tomou banho e foi à vida dela, o engraçado é eu achar que não foi assim tão desiludida comigo, quanto eu fico por vezes, confesso.
Precisa de amor, e esse não lho posso eu dar, pede que a abrace, diz querer sentir o meu corpo por cima do dela, sentir-me…
como se isso fosse possível, sem que eu me sinta a mim.
Tenho a sensação que vai voltar mais vezes, ou telefona-me ela, ou ligo-lhe eu, é assim.
Que raio de solidão esta, incendiária, trincheira de corpos feridos de amor ou falta dele,
nunca poder dizer que te amo, e tantas vezes não conseguir sequer foder-te, que amo foder-te, não poder dizer-te o que sou, de ordinário modo, ou outro, não poder dizer-to porque não sinto.
Abraço-te mas o sol não nasce aí no ombro onde arrumo o nariz, nem na tua vagina fui feliz, desculpa, mesmo que não seja necessária, desculpa, podíamos ter falado, claro que podíamos ter falado, em vez de, oh sabe-me tão bem aí, passou a fúria liquida como um carro sem gente pelo teu rosto, que sucesso o meu, que poder, que merda, limpei um dos teus olhos com uma almofada, depois não à boca que valha, afundo a cara no lençol e lembro-me do cão cansado que aceitou o tapete, porque não o querem dentro de casa.
Merecíamos os dois, tu um monstruoso pénis que te chicoteasse, eu um clítoris gigante atravessado na garganta, merecíamos os dois um pouco mais do que isto, até logo, vemo-nos depois, quando a tesão voar no corpo como uma abelha na sala.
Gostava de deixar definitivamente de fumar, eu que gosto infinitamente de fumar, gostava, ser mais profícuo em tudo, acordar e perceber que há outras coisas por nascer ainda, erecções que não aquela, números de telefone que não aquele, outros assuntos pelo menos, gostava que soubesses que te respeito, estranhamente, que não sou feliz, nem quero, apenas outra lente, outra visão nos olhos e na pele, no coração, deixa-me dizer-te que estou de facto perdido, mas ainda muito longe de me perder, quando te ligar será para te dizer, bom dia, continua, amo-te sem te amar, adeus, gostava de deixar os cigarros de vez, só Deus sabe o quanto gosto de tudo o que lhes está agarrado, agarrado aos cigarros, uma vida, agarrado aos cigarros, ainda é cedo digo para mim, ainda que morra amanhã, ainda é cedo, o amor ainda vai alto, claro que sim, um dia chegarei lá, e sem me dar conta, amo-te, gosto tanto de entrar em ti, de morrer nos teu lábios e usar os meus como almofada se nos teus olhos…desculpa, amo-te.

Thursday, October 25, 2007

Uma abelha no ouvido

Só até que o sono chegue, vá lá, dá-me uns minutos, graceja e põe-me a abelha no ouvido, amanhã farei mais por mim, prometo, dou duas voltas ao parque da cidade sem olhar para a cintura da miúda, lavo a loiça e visito a data dos iogurtes, tenho trinta e sete anos, sim, tenho essa idade, nunca casei e isso é cada vez mais um país distante ao corpo de estar com alguém, escuta, é o elevador, somos nós a regressar da praia com os miúdos, os quatro de areia, eu e tu, os olhos deles muito bem desenhados, não lhes dês banho, deixa-os brincar, ainda não estão suficientemente cansados, esteve um belo dia de sol, liga a televisão no urso, senta-te aqui a meu lado, lembra-te que são de areia, esquece o sofá, umas palmadas no tecido ou uma pá, logo se vê, escuta-os, na língua de estarem felizes connosco, escuta, não lhes dês banho, deixa-os estar connosco.

Thursday, October 18, 2007

A vinha

Cada vez mais há muito tempo pode ser a qualquer hora, um instante, uma memória, um braço armado, novo, aqui estou diante de ti, a saber do espólio, a saber que levar-te é tarefa respiratória, cabeça oxigenada, único lugar no mundo a partir de ti.
De uma vez por todas, a peneira, o trigo e a luz, a farinha para os panados, sacudo os ombros e vou, clara ilha da gema, margens, tudo o que nos fica além pele.
O sol lesou-me esta madrugada, ou outra estrela, o mesmo centro, sem ruído, no peito,
infra vermelho e mira.
Nem um minuto mais te dou que não te pertença o sangue, rio de sombra, vermelho à luz da nossa vinha, palavra a palavra, cacho a cacho, pernas no chão sulcado, minuto nenhum sem suor na testa, húmidas axilas, mulher assim, uvas.
Serei uma encosta, uma planície, um vale, inclinado para o que acredito, até derramar,
porque daqui consigo ver-me, dos meus olhos para tudo e o contrário, daqui consigo ver-me, é Setembro com uma colher na boca, hoje.

Thursday, October 11, 2007

Couve

Não há lugar onde mais goste de mijar, em minha casa, ou num ermo, se por acaso o mar, uma fotocópia de vontade agradável e depois continuar a mexer as pernas mais leve na bexiga, por igual em tudo o resto.
Falar com as pessoas é igual, sabe tão bem a conversa como voar a mijo.
Não estou muito elegante hoje, mas eu acho que estou, elegantemente vestido de mim, gosto de viver com a palavra gostar a nascer-me, ervas nas gengivas, dizer constantemente à companhia, que gosto cada vez mais da companhia, fazer um intervalo no jantar e brindar com os olhos, fazer mais barulho que vidro dentro dela.
Onde andaste tu estes anos todos, com quem brindaste os copos, com quem partiste vidros, levantar-te, ir à cozinheira e pedir-lhe um anel de couve, não mereces mais que uma couve, onde andaste tu estes anos todos?

Sunday, October 7, 2007

hemoglobina

Não há grandes novidades no meu sangue, hemoglobina e um nariz lá dentro a respirar,
podia acabar hoje, daqui a nada, folha voada na mais lenta das noites, o meu olhar estaria lá como aqui vai estando, inerte para o baile serôdio da vida.
A ninguém direi o queixo colocado no teu ombro a transportar-me, a ninguém, caminho pesado de sal nas botas, e o áspero chicote de gostar nas costas, a ninguém.
É violento olhar para ti, é violento olhar por ti, adentro, pássaros negros de tudo e não se apagam de voar, nascer de dentes nas asas acusadas de ir, para onde, sim, para onde.
Céu de carne e pombas facas, fundas fogueiras azuis me cheguem para sorrir de cócegas, esse sangue nas nuvens sufocadas, chega, que pousem nos pulsos e vão embora.

Thursday, October 4, 2007

O amor beijou dois homens que se beijaram numa estação de serviço, quem atesta os lábios desta maneira é porque tem muito para andar.

Wednesday, October 3, 2007

Ordinário é o amor.

Ordinário é o oceano que tenho na cabeça, a ser um peixe, seria um peixe caralho.Ordinário é o amor, o amor é que é ordinário.
Criaram um vocabulário fodido e agora andam aí com umas redes de malha fina a tentar pescar palavras incómodas para o comércio sentimental.
Que mal tem o facto de gostar delas com cuecas azuis, o céu não é mais bonito quando está azul?
O sexo está para mim como o lenço de papel para um nariz constipado.
Não te dou o número de telefone, não!
Não imaginas as pessoas por quem passaria a chamada até que chegasse a mim,
já há muito que deixei de estar directo para quem quer que seja.
Quando um homem vive de portas abertas está mais sujeito às correntes de ar,
que se fodam as correntes de ar, todas as correntes, que se fodam.
A pneumonia até é uma palavra tão bonita, as pessoas é que lhe querem mal!
Já a vi chegar mais subtil ao pulmão do que qualquer amor ao coração.

Toiro

Dou por mim a pensar, de manhã é que sou de onde me venho, eu mesmo, como um peixe à superfície, mulher bonita de pernas esguias e alegria alta a pular da cama,
de manhã é que sou, feminino e ainda assim a guardar-me dentro de ti, gosto de mulheres bonitas, desculpa, corpo de relógio, nada me mata melhor o tempo que esse cemitério marítimo a sorrir-me sem pêlo, anda lá para trás de novo, como estavas à pouco sabias-me bem, as tuas costas deixam-me sozinho, às vezes sozinho, outras contigo, de manhã é que sou da minha língua a tua língua, como um som de bocas molhadas e qualquer coisa a crescer-me lá em baixo, não sou de grandes erecções, por isso as festejo quando grandes conseguidas, pareço um toiro, pobre coitado, pareço um toiro, de chifre animado e cavernoso, feliz se lá chega bem o sangue.
Gosto das tuas cuecas, tenho gostado das tuas cuecas, acho que as escolhes bem, se as escolhes, acho que sim, quero crer que sabes do seu tecido anatómico, da sua justeza às nádegas, do veio de onde veio ainda à pouco a minha língua, gosto,
tirar pela primeira vez as cuecas a uma mulher e saber que palavras ou sons incompreensíveis moram na sua boca, o carteiro não sabe de quem as cartas que lhe entregam, o que nelas vai escrito, ou quem as irá ler, o carteiro não sabe.
O efeito é gostar, e eu de manhã é que sou, roupa estendida na corda, asseado de cabeça por não ter medo, para não ter medo, tudo começou agora, tudo, casa arrumada, a luz abunda e espessa que daria para varrer com uma vassoura, a qualquer momento dissipar-se-á, sei que é assim, será sempre assim, a vassoura na despensa, e eu à espera, a fazer de conta que já não espero, que sei como é, a fazer de conta que sei.

Tuesday, September 18, 2007

Não há quem te abrace, faça uma fogueira e fique de vigia
ou praia que te lembre o corpo por dentro luminoso
esse mar chegado a ti que já não chega a tempo de te ser água
que juventude nas veias e no desejo
agilidade de presa e sombra preda
não há uma madrugada nos nossos sentidos há anos, como aquela mais que uma, toda
mar acamado de estrelas, pés de areia pelos tornozelos, línguas de fogo húmido
esse desespero de esponja nas nossas bocas humanas, não há
assim como sapatos nas mãos agora, nevoeiros dentro dos olhos,
páginas brancas em lugar dos beijos, dois milímetros, uma eternidade de ti
cabeça morta de amor sobre o meu peito
noite de leite a curar-nos a pele
ainda ouve de haver ruído na hora letra que se fecha no meio de amor por ti
houve, houve-me descalço, agora já não há.

Tuesday, September 11, 2007

Afonso

Não tenho nada para te dizer, se te demorares diante disto, vais acabar por perceber que nada tenho para te dizer, fumo o cigarro que se um cão fumasse, fumaria assim, no tapete da entrada, nem focinho que levante, nem rabo que maneie a visita.
Estou internado para simpatias, Afonso, que de Henriques estou farto de reis, uma casa lá fora…
Já não estou para isso, ando cheio de cadáveres de gente rica, pesam mais agora que se calaram, ficou muita estupidez lá dentro, tenha dentes a terra.
Ando muito calado, dizem, já não ando, calei-me.
Dois botões e uma fivela, um veado caracol marra lento na carcela, vou mijar como quem vai à vida com a importância que lhe dá a bexiga, só isso.
Torresmos sim, se for para comer torresmos vou, é por ali, como me diz o sodomita, dou prazer ao gajo, e como a sandes, é de torresmos, vou.
Não é estar sentado que me custa, de pé dói-me a ideia que espero alguma coisa, na cadeira o pescoço entende-se melhor com os pés, vê-los de outra maneira.
Dois dedos são da família, os outros já não, enlouquecer e continuar a fumar é o que ainda segura a sanidade, um broche de lábios, só, de lábios, junto ao cigarro.
Amanhã é quarta feira dia de lúcidos e aprendizes do desvio, espero que a outra traga a filha, venha esta de saia rasteira à cona, como é hábito, a miúda masturba-se nas latrinas e acaba a dizer que o pai foi aviador quando morreu, é doida, mas acho-lhe graça mesmo fora da saia.
O dos relógios não diz as horas a ninguém, ninguém lhas pergunta, nem o filho que tem tempo, coitado, não pode ter um véu de unha longe da boca, morde-se todo.
Ainda vive o gordo, acho que a transpiração o tem salvo, nem sei como consegue, é um poro chuva que ali anda, a mulher ferida de cama nem sonha o coração dele.
Cala-te, vai para dentro, deixa-te de visitas.

Sunday, September 9, 2007

Mafalda

Os anos passam Mafalda, como passam os ossos tenros, ombros para o lado de fora do teu sexo, ou ainda mais para dentro porque o teu coração pode.
Todos os dias me nascem amores, nas mãos e nos pés, porque olho com atenção esta doença de vivo, nunca me separo dela.
Repito-me, repito-me sempre, não sei ser de outro modo senão a repetir-me, dizem que as pessoas só se encontram quando se repetem, julgo perceber a ideia, mas não caso com ela. É só uma voz, prefiro que seja assim, uma voz a chamar-me para as mesmas coisas, para os mesmos lugares de dentro, os mesmos sítios de fora.
Por onde me andaram os pés é lá que estou, o futuro dentro de mim como uma pequena ponte em construção, tábuas de gente esforçada de amor, porque ele existe assim, o amor também existe assim, tábua à tábua.
A engenharia manda e o homem fecha os olhos, paga a portagem, tem a sua ponte à noite quando sonha, há tanta tábua solta por aí, de chão e de telhado, perder o equilíbrio sobre um charco e saberem da viagem que caímos.
Que importa Mafalda, se o amor da voz nos empurrou por tudo nos ter escutado, sabe de nós como ninguém nos habita o corpo, quando a mão me treme para uma simples assinatura, achas que é o meu nome que receio, as pernas lassas por saber quem levam.
Não. Madeira aos ombros e casa para todos, é esse o exército, toalhas sobre a erva e rodas de crianças, pão fresco e gente pregada àquilo que é.
Assim a existência não range e assina de amor os rostos felizes quando chove.

Thursday, August 30, 2007

Tira a tua camisa que eu amanhã não sei como sou, hoje há espuma que chegue para todas as margens, sangue no oceano e línguas de boca perdida, não me digas para onde porque não estou para onde me dizes, despe-te e desenha um assunto magoado de agua, só.

Tuesday, August 28, 2007

a casa

Isto de ser desorganizado não deixa de custar algumas tolhas limpas para o banho, uma conta não paga a tempo, a gaveta que não abre e uma doença de pele no chão onde assentam os pés da mesa da sala, servi dois ou três jantares, faltam cadeiras, não sei se será essa a razão de não ter servido mais.
A minha casa é só o lugar onde me encontro quando lá estou, se abasteço o depósito do carro o que sinto não anda longe daquilo que sinto em minha casa, gostava de amar um candeeiro mas não consigo, acendo a lâmpada e já é luz suficiente…
É simpática logo pelas paredes que tem, é o que dizem, quando lá entra alguém, percebo mas não dou grande importância, continuo infinitamente a gostar mais da casa de banho e do chuveiro que lá mora.
É um defeito meu, talvez seja um defeito meu, não valorizar aquilo a que me condenei nos próximos quarenta anos, como se pudéssemos contratar a vida dessa maneira com a única lealdade que nos chega por escrito todos os meses.
Bela varanda, não sou eu que o digo, com vista para o hospital, não sossega nem melindra, uma via rápida em frente porque rápida não incomoda, quem vive junto a uma linha-férrea acaba por deixar de ouvir o comboio, não é o meu caso.
Ouço o comboio mas não a casa.

Monday, August 27, 2007

Um dia dão comigo morto na cama, morto de um dia ou dois, há gente próxima que me procuraria logo nas primeiras horas de ausência no emprego, por outras razões que não a minha morte, quem me conhece julga que não sou de morrer ainda, eu não sei.
Talvez de barriga para baixo me encontrem, nu de verão, coberto se de Inverno, é assim que adormeço, talvez seja assim no dia em que não acordar.
Uma ambulância e pessoas que moram perto, uma maca e gente que sabe de onde lhes vem o choro, é deste modo que a morte pinta o quadro, que cheiro terei eu que nunca me cheirei morto.
A luz acesa indica que pudesse estar acordado, apaguem-na, preferia que me soubessem a dormir, a sonhar miúdo quando caçava a vida aos pássaros manhã cedo, e podia ver o ar quente que levava na boca, feliz de dia e já de cigarro escondido, até do cancro.
Arrefecem depressa quando o chumbo lhes entra, perdem como nós o que o pescoço tem de direito, a cabeça baixa, hoje não seria capaz.
Foram dias muito felizes os da minha infância, fruta, ácida, tirada das árvores, conheci tantas mães de coisas, as figueiras largas, boas para baixar as calças, onde nunca fomos os únicos a lá ter estado, é o que a paisagem nos diz.
Uma folha de figueira no rabo e a luz ténue e difusa sobre e entre as que nos cobrem, talvez seja isso que nos falta, e só isso nos descubra.
Cresci mas foi para dentro como um nevoeiro, por isso não sei de que altura sou, só a infância soube medir e já não chego lá, não me entristeço porque é natural em mim, deixar sempre figos na árvore, não me pergunto e vou trabalhar amanhã se isso depender de mim.

António

Entre duas garrafas António, escorreu a tua e a sede dela, há momentos assim, fica a ideia que as vidas se podem entornar dessa maneira como o vinho na toalha,
assim percorra o braço qualquer um dos estados e sobre na mão o que ficou de viver.
É bonito António, não evites dizê-lo, ainda que te pareça menos adequado e possa levar a falhar o corpo que cruzou a perna por baixo da mesa, nem sempre sorrir de cintura nos dá o melhor lugar, com o tempo ficamos a saber da cama a sua curta memória.
Há pessoas que não são para nos deitarmos com elas, mesmo que o desejemos, não são,
são de ir mais longe, depois da conversa já se tocaram os sentidos todos, morreu a tesão, até a tua que agora só lá iria para um curto exercício, como homem sabes o que isso é.
Os corpos quando se ladram, ladram, como o cão ao fundo da rua te espera sem palavras necessárias para que não te esqueças delas.
António, ainda achas que é entrando no corpo delas que ficamos lá, sei que sabes que não é, quantas vezes mais vezes na mesa significa mais longe da cama, e olha que não é mau de todo António, uma agradável toalha de mesa não há muitos cotovelos que o saibam.

Friday, August 24, 2007

…diz só o essencial, sim podes calar-te, fechar os olhos e adormecer, não teres hoje ombros para mais.
Amanhã abro-te a janela a duas mãos suaves, digo o teu nome com a minha boca, e afasto de vez a distancia que estou de ti, quantos dias nos faltam, não sei, por isso os quero agarrar tanto, não perder um segundo que seja da tua respiração, ouvir-te dormir durante muitos anos os dias que nos faltam.Recebi ontem uma notícia que dizia, nunca hás-de ser feliz, era o que precisava de ouvir, abri a janela a duas mãos suaves, dormias tão tranquila que não deste pela luz que inundou o quarto, tens razão, temos de saber o que fazer com uma notícia dessas

Wednesday, August 22, 2007

Oceamo

Tenho o coração aberto neste talho de vida e dois cirurgiões amigos a brincar com ele numa tarde em queda livre sobre o oceano, nunca pensei que fosse tão vermelho,
nunca pensei que me custasse tanto nada me ter custado, abri-lo assim…
Acredito no momento em que todos os peixes virão à superfície para calar o mar,
num coração de agua o melhor retrato de família será comê-lo.
O meu dentro de um sargo, dentro de duas sardinhas, lulas a meio fundo, e ainda o que restar de migalhas cardíacas para alimentar esse amor que mergulhou.
O teu rosto húmido é coisa que ninguém sabe, não anda pela casa na sua altura, nem cabelos teus nesta falsa madeira, foi nesse coração que se afundou.

Ou segues os peixes, ou sentas-te à mesa, uma e outra escolha, as duas tão longe…
Estou numa banca de peixe, na barriga de uma rede, na ponta do fio de um fio, de faca na mão a procurar-te, é o que tenho feito, por ti.

Tuesday, August 21, 2007

Enquanto o sangue souber o caminho e a respiração subir
olharei o tempo como se este fosse o embrulho da luz e da escuridão, caindo sobre a carne do amor

Friday, August 10, 2007

Agora está tudo quieto, as horas pousam na nossa vida como pássaros sem qualquer desafio, não são da cidade como nós não somos hoje, mais do que um voo perdido para um qualquer lugar da árvore …

Monday, August 6, 2007

Gostava tanto de saber a tua língua,
gostava tanto de a saber falar
Fumar matou-me o medo de morrer são de nicotina sangra-mina e alcatrão, o meu pulmão.

Wednesday, August 1, 2007

Um ananás

No dia em que a doença te adoeceu levei-te um ananás, uma faca de lâmina viva, dois pratos lisos, mais duas facas suaves, dois garfos alegres.
Sentei-me à beira do que te segura deitado e descasquei isso.
Abriste tantas vezes a tua boca comigo que não consigo calar-me de ti,
sei que gostaste do ananás que te pus na cabeceira de ferro, havia flores mas preferi o ananás, às pessoas que amamos devemos dar-lhes o que elas gostavam de comer,
um ananás Gilberto, foste-te embora com um ananás à cabeceira, era o mínimo que podia fazer por ti.

Monday, July 23, 2007

Se algum dia vier a desenhar o meu Deus, usarei a figura do membro sexual masculino,
em grande, tudo em grande, como um Deus deve ser,
cravado de jóias na glande e no prepúcio, como um Deus deve ser.
certezas, nenhuma
sensações tantas, todas
vamos ficar retidos nos corações uns dos outros,
sempre que vier á superfície
a falta dessa companhia.

Friday, July 20, 2007

Respira, fundo, volta ao inicio, onde, o ar foi leve, uma, e por isso mais do que uma vez.
Encontra, o que te falta, para que encontres, tudo, o que te falta, mão, mãe, vida, punho.
Silencio, eu, tu, nós, outro, ainda, procuro, por ti, em mim, nada de água em agua, este desejo, parecido, de estátua, que mergulha, e emerge, sempre.

Tuesday, July 17, 2007

Acabei de cagar à pouco, e é a mesma coisa, a sanita tem a mesma distancia, o meu amor por ti mantém-se igual, não muda de figura quando cago, não quero mudar de figura quando cago, a menos que te desconheça, e eu quero conhecer-te sempre, de modo igual ao meu amor por ti.
Estou farto de ourivesarias nos lábios
- passa-me o papel higiénico, se fizeres favor.

Monday, July 16, 2007

Lugares

Conheço lugares dos quais gosto particularmente,
também gostarão de mim esses lugares?
Há dez anos atrás, mais ou menos, inaugurámos um beijo, vindo
da conversa de um dia inteiro, da noite anterior, sei lá de onde mais…
um balcão de bar e um estômago de bebidas felizes, um espelho em frente,
onde os olhos disseram, o fim da rua e uma parede como desejo.
Calámo-nos, o tempo suficiente da inquietação se revelar insuportável.
Foi então que calámos definitivamente as bocas, um no outro,
a parede ruiu e de lá saíram ruas, para novos espelhos.
Eu continuo a acreditar que o silencio fabrica a saliva certa de um beijo,
Conheço lugares dos quais gosto particularmente.

Sunday, July 15, 2007

…um dia, no Alentejo, gostei de estar vivo, acordei com um sorriso a sair-me pela cara, era uma coisa estranha, analogia que faço de um parto, e o nascido a sorrir-me contínuo na cara, levantei-me da cama, eu e ele, era um tumor de janela, daqueles que nos empurram para a vida, oferecem-te um relógio sem dígitos, nem ponteiros, e tu sorris para dentro desse tempo, com os olhos de alguém que acabou de nascer em ti.
Ofereces as tuas mãos e lavas-lhe a cara, os dentes, a barba, e as outras coisas que devagar continuam todos os dias.
…um dia no Alentejo, gostei de saber que vinham para almoçar, cozinhei tão devagar como as outras coisas, um arroz de tamboril com gambas, pus no muito frio o vinho branco, cerveja para quando chegassem, amor a rodos na casa.
Não digo o nome deles, porque para mim nunca terão nome, na excepção de os chamar, nunca terão um nome que os torne mais amados por mim, amor a rodos na casa, sobre as cadeiras, sobre a mesa, agua nas torneiras.
…um dia no Alentejo, jurámos estar no funeral uns dos outros, arroz de tamboril com gambas, vinho branco no muito frio, um abraço e um beijo na boca de um homem, na de uma mulher, um beijo na boca de um peixe, um beijo.
...em cada casa uma cama, duas camas, três camas, podíamos unir o sono e criar um arquipélago de camas, com senhas de saída para quem acorda cedo, e os pés de uns e outros no triangulo das axilas, na sombra do ventre, na inclinação do pescoço, escolher de um corpo um rosto, uns lábios, um objecto deitado, acordar-lhe a alma nessa quilometragem de corpos deitados.

Tuesday, July 10, 2007

A moral tem crianças lá dentro a morrer de fome.
Há dias em que não gostamos daquilo que gostamos,
há dias em que não amamos as pessoas que amamos,
há dias sem coração!
Agora quero uma mão da qual eu conheça bem a pele e o peso,
a dobra firme dos dedos quando se cruzam.
Agora quero uma mão, um fim de braço para o meio arco do andar.

Monday, July 2, 2007

Tenho tantas saudades da tua língua, tenho tantas saudades do que é teu.
É a pureza do teu olhar que eu amo, é esse o negócio.
Se não és água nem vinho, não te conseguem engarrafar.
...então sugerem um fruto qualquer.

Thursday, June 28, 2007

É nojo amor, é nojo
excremento mole em casa rica, diplomacia domingueira.
As moscas são de uma beleza extrema quando pousam nos olhos de uma criança,
é nojo amor, é nojo.
Eu estou contra, eu procuro
gasto saliva no muro,
é de papel, nós sabemos, é de papel
de rede e ar quadriculado,
uns furos acima, ainda quer dizer furado.
Há momentos em que as coisas ficam tão bonitas, tão sossegadas,
não nos pertencem na maneira como existem.

Mata-te, enquanto ainda medes um metro e oitenta e quatro.

Mata-te, enquanto ainda medes um metro e oitenta e quatro.
Olhos castanhos, caracóis de cabelo e o lábio superior quase inexistente,
mãos magras de nunca as ter dado a ninguém.
Mata-te enquanto o aeroporto ainda se situa na Portela,
se for lá serás noticia,
como diz o Sampaio ninguém morre sozinho.
Sobe nu ao edifício maior da capital
arranjarão um médico de saúde mental.
Tudo o que ele te disser
aumentará o teu desejo suicida,
amplifica a conversa, instala microfones
cria temporariamente um feedback com a vida.
Pede uma garrafa de vinho Rodrigo
um fotógrafo e um padre que já tenha feito amor
um colar de amêijoas, um pão de trigo
e o mesmo avião inibido de motor.

Tuesday, June 26, 2007

Tenho saudades de gente que não interessava a ninguém, interessava-me a mim.

Thursday, June 21, 2007

E na mesma memória uma mensagem escrita, bela porque anónima,
feliz porque oportuna, me encontrou carente de gente poética.
-Tenho-te a ti, sem rede e sem dinheiro, sem um s.o.s,
falhei uma curva, sei que são as minhas pernas, e nunca usei gasolina como after shave. Amo-te Sofia.
Não li jornais, não vi televisão, e da minha casa para o trabalho o caminho é sempre em frente.
Já fiz amor desse modo e devo dizer-te que se a voz da companhia colaborar é muito estimulante.Tenho por certa a ideia que a honestidade quando à distância é muito mais importante
O meu sangue é assim
Quero que sejas tão feliz quanto eu quero ser
Por vezes invejo-te
O meu sangue é assim
Quero que sejas tão feliz quanto eu quero ser
Mas por vezes invejo-te

Wednesday, June 20, 2007

Quando uma mulher nos faz a cama, ela nunca se desmancha

Thursday, June 7, 2007

Quando o nosso amor tinha braços, e ele um dia teve braços, mais do que dois, pelo menos quatro, em cada abraço, pelo menos quatro.
deram-me a mão e eu preferi um pé.

Wednesday, June 6, 2007

um gato no meu colo

disse o teu nome baixinho para ver se tu vinhas, sem acordar o meu gato, mas ele ouviu e sentou-se-me no colo, se tivesse um gato, seria mais ou menos assim que seria, um gato no meu colo, depois de eu dizer o teu nome baixinho, para ver se tu vinhas.

Monday, June 4, 2007

...uma família inteira

-Tens sede?
\Não!
-então o que tens?
\nada.
-outra vez?
\sim.
-Mostra-me as tuas mãos, tira as luvas e mostra-me as tuas mãos,
\( sorri sem tempo nos olhos) não!
-o comboio há muito que aqui não passa.
Ficou a linha aí esquecida.
Fizeram outra lá atrás,
Matou-se aqui uma família inteira.
Iam todos para a Covilhã, perderam o comboio, mataram-se!
\Mataram-se?
-Sim, esperaram que passasse o próximo, como era de mercadorias mataram-se!
As malas ficaram, acho que ainda ali estão!
\Perderam o comboio e mataram-se, não achas isso estranho?
Ninguém se mata por perder um comboio!
-Pois, mas estes mataram-se mesmo, eram cinco, morreram os cinco.
Um pai, uma mãe, dois filhos e uma avó, atiraram-se para a frente dele.
Ou iam todos, ou não ia nenhum, também era assim para a covilhã.
\olha, se iam para longe foi melhor assim, não se perdeu nenhum, chegaram todos juntos.

Sunday, June 3, 2007

Gosto de ti
no amor e na doença
gosto de ti
apesar de tudo
gosto de ti
ainda
pelo que em nós ficou por gostar
gosto do atrevimento com que ousámos separar
as nossas vidas.

Wednesday, May 30, 2007

Apagar-te?
Não!
Vinco o teu rosto na minha memória, porque amo sofrer-te.
Está tudo em nós porque não existe mais lugar nenhum.
O segredo da vida reside no facto de não desejarmos que a ferida sare, mas sim zelar pela manutenção da sua infecção!
E nisto, nós éramos tão diferentes um do outro, enquanto a lambias com desespero,
eu bordava as suas margens com as minhas unhas.
Eu podia dizer-te outra vez, a mesma coisa, outra vez, de novo.
Sempre gostei de pessoas que fossem um.

insusexo

A minha língua dentro da boca dela não tem nome de peixe,
quando muito é um desejo réptil de comer.
Mesmo não sabendo como amam as moscas,
ou se amam sequer,
eu aos quinze anos ainda não me sabia dentro de um aquário,
sempre que a beijava.
Quando introduzi o meu dedo na sua vagina (e eu na altura não escolhia o maior, ainda não escolho, para que se venha a notar um pouco mais a diferença), vi nos seus olhos algo tão belo,
a que voltei sempre.
Meu Deus como gosto que mo beije, sem que outra religião lhe ocupe a boca.
E não existe amor algum nesse momento, só a minha mão a desenhar nos seus cabelos,
o efeito dos seus lábios em mim.

a palavra

Amigo
a palavra
junta aos ossos
a palavra
Amigo
o esqueleto
O som cadáver
Que a boca ainda oferece
se nela pousa uma borboleta
Onde a tristeza põe os ovos
Agrada-me a pele com que vives, o teu sangue vestido de ti
Esse edifício de ombros, ângulo de amor e nuca que se afasta

berlin

Claro que sim amor,
estarei um destes dias junto de uma paragem à tua espera
com um chocolate quente
porque eu hei-de saber a hora certa da tua chegada.
A vontade que terás de me abraçar já a guardo em mim
um cerco no tempo do beijo para que a minha língua te leve ao cinema
é isso que eu hoje quero, um amor igual à bola de Berlin
acabada de sair do forno para eu soprar
não conheço a cidade mas amarei cada dentada que lhe deres
gosto dos teus dentes Sara,
ninguém precisa saber o teu verdadeiro nome,
se é que ele existe quando temos fome
os homens brancos lembras-te?
A entornarem água na farinha, ovos e açúcar
um amor desses feito à mão, era assim que eu queria
As pás enormes resgatavam um pão tão bonito
Nós vamos estar lá na madrugada, não vamos?
Eu acredito que sim.

Um coração de pó

Hoje não tocou o telefone, hoje e nos dias entornados de antes, até chegar àquele dia em que o telefone não precisava de tocar, há momentos que são como filas de espera sem pressa, estamos no corpo, talvez como uma nuvem sem serviço de chuva, um adorno de lugar sentado com vista para os olhos de ontem, hoje há silêncio pela casa toda, hoje e nos dias entornados de antes, nenhuma voz se levanta debaixo do tapete, nenhum ombro de casaco em qualquer porta.
No quarto onde não durmo tenho lá um coração de pó no chão, dobrei-me na procura de um documento e deu-me para o desenhar, não ficou perfeito, no outro quarto durmo eu.