Tuesday, September 18, 2007

Não há quem te abrace, faça uma fogueira e fique de vigia
ou praia que te lembre o corpo por dentro luminoso
esse mar chegado a ti que já não chega a tempo de te ser água
que juventude nas veias e no desejo
agilidade de presa e sombra preda
não há uma madrugada nos nossos sentidos há anos, como aquela mais que uma, toda
mar acamado de estrelas, pés de areia pelos tornozelos, línguas de fogo húmido
esse desespero de esponja nas nossas bocas humanas, não há
assim como sapatos nas mãos agora, nevoeiros dentro dos olhos,
páginas brancas em lugar dos beijos, dois milímetros, uma eternidade de ti
cabeça morta de amor sobre o meu peito
noite de leite a curar-nos a pele
ainda ouve de haver ruído na hora letra que se fecha no meio de amor por ti
houve, houve-me descalço, agora já não há.

Tuesday, September 11, 2007

Afonso

Não tenho nada para te dizer, se te demorares diante disto, vais acabar por perceber que nada tenho para te dizer, fumo o cigarro que se um cão fumasse, fumaria assim, no tapete da entrada, nem focinho que levante, nem rabo que maneie a visita.
Estou internado para simpatias, Afonso, que de Henriques estou farto de reis, uma casa lá fora…
Já não estou para isso, ando cheio de cadáveres de gente rica, pesam mais agora que se calaram, ficou muita estupidez lá dentro, tenha dentes a terra.
Ando muito calado, dizem, já não ando, calei-me.
Dois botões e uma fivela, um veado caracol marra lento na carcela, vou mijar como quem vai à vida com a importância que lhe dá a bexiga, só isso.
Torresmos sim, se for para comer torresmos vou, é por ali, como me diz o sodomita, dou prazer ao gajo, e como a sandes, é de torresmos, vou.
Não é estar sentado que me custa, de pé dói-me a ideia que espero alguma coisa, na cadeira o pescoço entende-se melhor com os pés, vê-los de outra maneira.
Dois dedos são da família, os outros já não, enlouquecer e continuar a fumar é o que ainda segura a sanidade, um broche de lábios, só, de lábios, junto ao cigarro.
Amanhã é quarta feira dia de lúcidos e aprendizes do desvio, espero que a outra traga a filha, venha esta de saia rasteira à cona, como é hábito, a miúda masturba-se nas latrinas e acaba a dizer que o pai foi aviador quando morreu, é doida, mas acho-lhe graça mesmo fora da saia.
O dos relógios não diz as horas a ninguém, ninguém lhas pergunta, nem o filho que tem tempo, coitado, não pode ter um véu de unha longe da boca, morde-se todo.
Ainda vive o gordo, acho que a transpiração o tem salvo, nem sei como consegue, é um poro chuva que ali anda, a mulher ferida de cama nem sonha o coração dele.
Cala-te, vai para dentro, deixa-te de visitas.

Sunday, September 9, 2007

Mafalda

Os anos passam Mafalda, como passam os ossos tenros, ombros para o lado de fora do teu sexo, ou ainda mais para dentro porque o teu coração pode.
Todos os dias me nascem amores, nas mãos e nos pés, porque olho com atenção esta doença de vivo, nunca me separo dela.
Repito-me, repito-me sempre, não sei ser de outro modo senão a repetir-me, dizem que as pessoas só se encontram quando se repetem, julgo perceber a ideia, mas não caso com ela. É só uma voz, prefiro que seja assim, uma voz a chamar-me para as mesmas coisas, para os mesmos lugares de dentro, os mesmos sítios de fora.
Por onde me andaram os pés é lá que estou, o futuro dentro de mim como uma pequena ponte em construção, tábuas de gente esforçada de amor, porque ele existe assim, o amor também existe assim, tábua à tábua.
A engenharia manda e o homem fecha os olhos, paga a portagem, tem a sua ponte à noite quando sonha, há tanta tábua solta por aí, de chão e de telhado, perder o equilíbrio sobre um charco e saberem da viagem que caímos.
Que importa Mafalda, se o amor da voz nos empurrou por tudo nos ter escutado, sabe de nós como ninguém nos habita o corpo, quando a mão me treme para uma simples assinatura, achas que é o meu nome que receio, as pernas lassas por saber quem levam.
Não. Madeira aos ombros e casa para todos, é esse o exército, toalhas sobre a erva e rodas de crianças, pão fresco e gente pregada àquilo que é.
Assim a existência não range e assina de amor os rostos felizes quando chove.