Wednesday, May 30, 2007

Apagar-te?
Não!
Vinco o teu rosto na minha memória, porque amo sofrer-te.
Está tudo em nós porque não existe mais lugar nenhum.
O segredo da vida reside no facto de não desejarmos que a ferida sare, mas sim zelar pela manutenção da sua infecção!
E nisto, nós éramos tão diferentes um do outro, enquanto a lambias com desespero,
eu bordava as suas margens com as minhas unhas.
Eu podia dizer-te outra vez, a mesma coisa, outra vez, de novo.
Sempre gostei de pessoas que fossem um.

insusexo

A minha língua dentro da boca dela não tem nome de peixe,
quando muito é um desejo réptil de comer.
Mesmo não sabendo como amam as moscas,
ou se amam sequer,
eu aos quinze anos ainda não me sabia dentro de um aquário,
sempre que a beijava.
Quando introduzi o meu dedo na sua vagina (e eu na altura não escolhia o maior, ainda não escolho, para que se venha a notar um pouco mais a diferença), vi nos seus olhos algo tão belo,
a que voltei sempre.
Meu Deus como gosto que mo beije, sem que outra religião lhe ocupe a boca.
E não existe amor algum nesse momento, só a minha mão a desenhar nos seus cabelos,
o efeito dos seus lábios em mim.

a palavra

Amigo
a palavra
junta aos ossos
a palavra
Amigo
o esqueleto
O som cadáver
Que a boca ainda oferece
se nela pousa uma borboleta
Onde a tristeza põe os ovos
Agrada-me a pele com que vives, o teu sangue vestido de ti
Esse edifício de ombros, ângulo de amor e nuca que se afasta

berlin

Claro que sim amor,
estarei um destes dias junto de uma paragem à tua espera
com um chocolate quente
porque eu hei-de saber a hora certa da tua chegada.
A vontade que terás de me abraçar já a guardo em mim
um cerco no tempo do beijo para que a minha língua te leve ao cinema
é isso que eu hoje quero, um amor igual à bola de Berlin
acabada de sair do forno para eu soprar
não conheço a cidade mas amarei cada dentada que lhe deres
gosto dos teus dentes Sara,
ninguém precisa saber o teu verdadeiro nome,
se é que ele existe quando temos fome
os homens brancos lembras-te?
A entornarem água na farinha, ovos e açúcar
um amor desses feito à mão, era assim que eu queria
As pás enormes resgatavam um pão tão bonito
Nós vamos estar lá na madrugada, não vamos?
Eu acredito que sim.

Um coração de pó

Hoje não tocou o telefone, hoje e nos dias entornados de antes, até chegar àquele dia em que o telefone não precisava de tocar, há momentos que são como filas de espera sem pressa, estamos no corpo, talvez como uma nuvem sem serviço de chuva, um adorno de lugar sentado com vista para os olhos de ontem, hoje há silêncio pela casa toda, hoje e nos dias entornados de antes, nenhuma voz se levanta debaixo do tapete, nenhum ombro de casaco em qualquer porta.
No quarto onde não durmo tenho lá um coração de pó no chão, dobrei-me na procura de um documento e deu-me para o desenhar, não ficou perfeito, no outro quarto durmo eu.