Sunday, February 22, 2009

A vida é uma moedinha de dois.
A verdade está toda cá dentro, equivocada, diluída, desfocada, a possível, talvez a possível esteja toda cá dentro, usa uns aros de metal e uma casca de tangerina, nem sempre há sumo, e quando não há sumo sofre-se, tem a cor dos segundos, dos minutos, a cor do tempo que lhe couber em sorte, veio para dentro como um engano e sobe há boca para escolher um ouvido, o mesmo ouvido sempre, porque a boca também há muito que foi para dentro.
Assim surgem as vozes subterrâneas que ecoam nos canais das flores, uma planície interminável de mão no queixo e dedos nos lábios, uma ave no céu por ser ave, ser ave porque voa no céu e mais nada.

Wednesday, February 11, 2009

Morcego

Quantas vezes na ponta do meu cigarro, amor, ardeste tu, nesse pensamento incandescente em que dançavas de sorriso livre, a tua cara para sempre nesse lugar que a memória criou, eu a guardar-te até ao insuportável, alimentando-te e vestindo-te, água para o banho e pão torrado nos lábios, destorcendo as costas do guarda mamas, soltando da gola o cabelo, eu a cuidar de ti, ainda hoje, vigiando-te de cigarro dentro da minha cabeça.
O verão lá fora, devagar como um morcego de roupa pousado na corda a contar cabeças, quem sabe a ler as cabeças, a mesma janela sem ninguém, todos os dias que lá estivemos, quem sabe a olhar as cabeças, o que são cabeças? Talvez vigias.
Os nossos olhos parvinhos um pelo outro, a criar enxoval dentro dos corações, será que isso existe, claro que existe, anda lá, de olhos parvinhos um pelo outro.
As amêijoas na mesa e eu a gostar da tua mão de concha aberta, um pedacinho de mar na tua boca e eu a emocionar-me porque te sabe bem; O vinho gelado, gosto tanto de te por vinho no copo, o seu efeito em ti perseguido pelo meu, lado a lado nas conversas, aquilo de que gostas em mim, o que gosto em ti, o amor de te abraçar no quarto, os teus ombros ainda vivos na minha boca, como o cão que nunca existiu mas tenho esperança nos maxilares do dia em que o souber.
A noite em que os teus pés fizeram com que me dissesses tão agradável é tê-los nus neste chão de pedras juntas como a tua boca e o meu ouvido.

Monday, February 9, 2009

Senta-te à minha frente, inventemos uma história que dure muito tempo, que as rugas floresçam ao redor dos olhos e os lábios se machuquem ternos nas suas extremidades de pele, deles desçam palavras que nos façam subir como anjos renascidos para a noite eterna.