Wednesday, February 11, 2009

Morcego

Quantas vezes na ponta do meu cigarro, amor, ardeste tu, nesse pensamento incandescente em que dançavas de sorriso livre, a tua cara para sempre nesse lugar que a memória criou, eu a guardar-te até ao insuportável, alimentando-te e vestindo-te, água para o banho e pão torrado nos lábios, destorcendo as costas do guarda mamas, soltando da gola o cabelo, eu a cuidar de ti, ainda hoje, vigiando-te de cigarro dentro da minha cabeça.
O verão lá fora, devagar como um morcego de roupa pousado na corda a contar cabeças, quem sabe a ler as cabeças, a mesma janela sem ninguém, todos os dias que lá estivemos, quem sabe a olhar as cabeças, o que são cabeças? Talvez vigias.
Os nossos olhos parvinhos um pelo outro, a criar enxoval dentro dos corações, será que isso existe, claro que existe, anda lá, de olhos parvinhos um pelo outro.
As amêijoas na mesa e eu a gostar da tua mão de concha aberta, um pedacinho de mar na tua boca e eu a emocionar-me porque te sabe bem; O vinho gelado, gosto tanto de te por vinho no copo, o seu efeito em ti perseguido pelo meu, lado a lado nas conversas, aquilo de que gostas em mim, o que gosto em ti, o amor de te abraçar no quarto, os teus ombros ainda vivos na minha boca, como o cão que nunca existiu mas tenho esperança nos maxilares do dia em que o souber.
A noite em que os teus pés fizeram com que me dissesses tão agradável é tê-los nus neste chão de pedras juntas como a tua boca e o meu ouvido.

1 comment:

Anonymous said...

Se escrevesse um registo diario da dor, a unica entrada seria esta palavra: EU

"Philip Roth"
(SP)