Saturday, December 22, 2007

Músculo.

Importa-me a mim, eu que me importo, cada vez mais com a luz da porta, quem lá vem e porque, vem que te recebo, de braços abertos e coração fundo, vem que te recebo.
Só não me digas que o bebé é lindo, se não te nasceu voz para isso, não digas,
nem o salário do marido cantado, tão pouco a monstruosa habilidade de um filho, inteligência e as melhores laranjas, se não te nasceu voz para isso, não digas.
O ar da garganta, embora o saiba mais dentro, vive na boca um gatilho, nunca disparas ao centro, nem do centro, que devias querer como um filho.
Algumas nos olhos, outras na boca, e ainda na distância, duas palavras chegam, uma mão por vezes, meiga gente de lábios que durarão para sempre, sou teu, assim sou teu.
Anseio por pessoas que cheguem da aldeia e a mim, campos verdes e gotas de orvalho, cristalinas, verniz manhã para unhas de água.
Pessoas que não entrem onde mil se juntam por nenhuma, um autocarro serve, sorrir-te,
um livro de onde se ergueram os olhos, a carícia de uma maçã antes da boca, ouvir-te.
Disposto a esperar por ti com a delicadeza de um intervalo de formigas, por saber ao que leva o caminho, ou não saber nunca, ser ainda mais delicado para esse grão de areia minúsculo que faz do amor um músculo.

Sunday, December 2, 2007

Uma sopa no inverno

Lembras-te Fernando, sei a sangue que sim, mas não me ocorre outra forma de te chamar para junto de mim, lembras-te, nós os dois em Óbidos, domingo de manhã, e aquela luz única, de dentro, de fora, de tudo, luz, quando nos sentimos felizes até a calçada nos sorri, e tapetes debruçados nas janelas,
gente que ali vive entre muralhas de abraçar a defesa, onde o calor da tarde namora a sombra fresca, lembras-te.
Os dois de arlequim, a cantar para o chapéu, deu para o almoço.
Uma pequenina de cabelo trigo, que nos levou para dentro do coração dela, quero crer nisso, que um dia virá um palhaço, um outro arlequim, uma canção, um sorriso, uma febre, e ela dirá, lembro-me.
Volto para dizer que quando se despediu timidamente de nós, o olhar dela não levou o sentido dos pés, acabou lá longe, quando virou a cabeça, e depois disso já deve estar crescida.
Fernando, amigo, por vezes digo para mim, porque sou de saudades, porque sou tanto do que fui, antes que me digam a batida, porque somos o que fomos e aquilo que nos fizemos, está bem, gosto de voltar, é simples e chega.
Foram boas as viagens, amigo, manhã cedo, como eu gosto de manhã cedo, como se fosse um lugar, que o é, e a minha respiração sabe-o, o dia a nascer à direita da minha casa e eu com ele, vindos do sono como uma sopa no Inverno.