Thursday, October 25, 2007

Uma abelha no ouvido

Só até que o sono chegue, vá lá, dá-me uns minutos, graceja e põe-me a abelha no ouvido, amanhã farei mais por mim, prometo, dou duas voltas ao parque da cidade sem olhar para a cintura da miúda, lavo a loiça e visito a data dos iogurtes, tenho trinta e sete anos, sim, tenho essa idade, nunca casei e isso é cada vez mais um país distante ao corpo de estar com alguém, escuta, é o elevador, somos nós a regressar da praia com os miúdos, os quatro de areia, eu e tu, os olhos deles muito bem desenhados, não lhes dês banho, deixa-os brincar, ainda não estão suficientemente cansados, esteve um belo dia de sol, liga a televisão no urso, senta-te aqui a meu lado, lembra-te que são de areia, esquece o sofá, umas palmadas no tecido ou uma pá, logo se vê, escuta-os, na língua de estarem felizes connosco, escuta, não lhes dês banho, deixa-os estar connosco.

Thursday, October 18, 2007

A vinha

Cada vez mais há muito tempo pode ser a qualquer hora, um instante, uma memória, um braço armado, novo, aqui estou diante de ti, a saber do espólio, a saber que levar-te é tarefa respiratória, cabeça oxigenada, único lugar no mundo a partir de ti.
De uma vez por todas, a peneira, o trigo e a luz, a farinha para os panados, sacudo os ombros e vou, clara ilha da gema, margens, tudo o que nos fica além pele.
O sol lesou-me esta madrugada, ou outra estrela, o mesmo centro, sem ruído, no peito,
infra vermelho e mira.
Nem um minuto mais te dou que não te pertença o sangue, rio de sombra, vermelho à luz da nossa vinha, palavra a palavra, cacho a cacho, pernas no chão sulcado, minuto nenhum sem suor na testa, húmidas axilas, mulher assim, uvas.
Serei uma encosta, uma planície, um vale, inclinado para o que acredito, até derramar,
porque daqui consigo ver-me, dos meus olhos para tudo e o contrário, daqui consigo ver-me, é Setembro com uma colher na boca, hoje.

Thursday, October 11, 2007

Couve

Não há lugar onde mais goste de mijar, em minha casa, ou num ermo, se por acaso o mar, uma fotocópia de vontade agradável e depois continuar a mexer as pernas mais leve na bexiga, por igual em tudo o resto.
Falar com as pessoas é igual, sabe tão bem a conversa como voar a mijo.
Não estou muito elegante hoje, mas eu acho que estou, elegantemente vestido de mim, gosto de viver com a palavra gostar a nascer-me, ervas nas gengivas, dizer constantemente à companhia, que gosto cada vez mais da companhia, fazer um intervalo no jantar e brindar com os olhos, fazer mais barulho que vidro dentro dela.
Onde andaste tu estes anos todos, com quem brindaste os copos, com quem partiste vidros, levantar-te, ir à cozinheira e pedir-lhe um anel de couve, não mereces mais que uma couve, onde andaste tu estes anos todos?

Sunday, October 7, 2007

hemoglobina

Não há grandes novidades no meu sangue, hemoglobina e um nariz lá dentro a respirar,
podia acabar hoje, daqui a nada, folha voada na mais lenta das noites, o meu olhar estaria lá como aqui vai estando, inerte para o baile serôdio da vida.
A ninguém direi o queixo colocado no teu ombro a transportar-me, a ninguém, caminho pesado de sal nas botas, e o áspero chicote de gostar nas costas, a ninguém.
É violento olhar para ti, é violento olhar por ti, adentro, pássaros negros de tudo e não se apagam de voar, nascer de dentes nas asas acusadas de ir, para onde, sim, para onde.
Céu de carne e pombas facas, fundas fogueiras azuis me cheguem para sorrir de cócegas, esse sangue nas nuvens sufocadas, chega, que pousem nos pulsos e vão embora.

Thursday, October 4, 2007

O amor beijou dois homens que se beijaram numa estação de serviço, quem atesta os lábios desta maneira é porque tem muito para andar.

Wednesday, October 3, 2007

Ordinário é o amor.

Ordinário é o oceano que tenho na cabeça, a ser um peixe, seria um peixe caralho.Ordinário é o amor, o amor é que é ordinário.
Criaram um vocabulário fodido e agora andam aí com umas redes de malha fina a tentar pescar palavras incómodas para o comércio sentimental.
Que mal tem o facto de gostar delas com cuecas azuis, o céu não é mais bonito quando está azul?
O sexo está para mim como o lenço de papel para um nariz constipado.
Não te dou o número de telefone, não!
Não imaginas as pessoas por quem passaria a chamada até que chegasse a mim,
já há muito que deixei de estar directo para quem quer que seja.
Quando um homem vive de portas abertas está mais sujeito às correntes de ar,
que se fodam as correntes de ar, todas as correntes, que se fodam.
A pneumonia até é uma palavra tão bonita, as pessoas é que lhe querem mal!
Já a vi chegar mais subtil ao pulmão do que qualquer amor ao coração.

Toiro

Dou por mim a pensar, de manhã é que sou de onde me venho, eu mesmo, como um peixe à superfície, mulher bonita de pernas esguias e alegria alta a pular da cama,
de manhã é que sou, feminino e ainda assim a guardar-me dentro de ti, gosto de mulheres bonitas, desculpa, corpo de relógio, nada me mata melhor o tempo que esse cemitério marítimo a sorrir-me sem pêlo, anda lá para trás de novo, como estavas à pouco sabias-me bem, as tuas costas deixam-me sozinho, às vezes sozinho, outras contigo, de manhã é que sou da minha língua a tua língua, como um som de bocas molhadas e qualquer coisa a crescer-me lá em baixo, não sou de grandes erecções, por isso as festejo quando grandes conseguidas, pareço um toiro, pobre coitado, pareço um toiro, de chifre animado e cavernoso, feliz se lá chega bem o sangue.
Gosto das tuas cuecas, tenho gostado das tuas cuecas, acho que as escolhes bem, se as escolhes, acho que sim, quero crer que sabes do seu tecido anatómico, da sua justeza às nádegas, do veio de onde veio ainda à pouco a minha língua, gosto,
tirar pela primeira vez as cuecas a uma mulher e saber que palavras ou sons incompreensíveis moram na sua boca, o carteiro não sabe de quem as cartas que lhe entregam, o que nelas vai escrito, ou quem as irá ler, o carteiro não sabe.
O efeito é gostar, e eu de manhã é que sou, roupa estendida na corda, asseado de cabeça por não ter medo, para não ter medo, tudo começou agora, tudo, casa arrumada, a luz abunda e espessa que daria para varrer com uma vassoura, a qualquer momento dissipar-se-á, sei que é assim, será sempre assim, a vassoura na despensa, e eu à espera, a fazer de conta que já não espero, que sei como é, a fazer de conta que sei.