Thursday, August 30, 2007

Tira a tua camisa que eu amanhã não sei como sou, hoje há espuma que chegue para todas as margens, sangue no oceano e línguas de boca perdida, não me digas para onde porque não estou para onde me dizes, despe-te e desenha um assunto magoado de agua, só.

Tuesday, August 28, 2007

a casa

Isto de ser desorganizado não deixa de custar algumas tolhas limpas para o banho, uma conta não paga a tempo, a gaveta que não abre e uma doença de pele no chão onde assentam os pés da mesa da sala, servi dois ou três jantares, faltam cadeiras, não sei se será essa a razão de não ter servido mais.
A minha casa é só o lugar onde me encontro quando lá estou, se abasteço o depósito do carro o que sinto não anda longe daquilo que sinto em minha casa, gostava de amar um candeeiro mas não consigo, acendo a lâmpada e já é luz suficiente…
É simpática logo pelas paredes que tem, é o que dizem, quando lá entra alguém, percebo mas não dou grande importância, continuo infinitamente a gostar mais da casa de banho e do chuveiro que lá mora.
É um defeito meu, talvez seja um defeito meu, não valorizar aquilo a que me condenei nos próximos quarenta anos, como se pudéssemos contratar a vida dessa maneira com a única lealdade que nos chega por escrito todos os meses.
Bela varanda, não sou eu que o digo, com vista para o hospital, não sossega nem melindra, uma via rápida em frente porque rápida não incomoda, quem vive junto a uma linha-férrea acaba por deixar de ouvir o comboio, não é o meu caso.
Ouço o comboio mas não a casa.

Monday, August 27, 2007

Um dia dão comigo morto na cama, morto de um dia ou dois, há gente próxima que me procuraria logo nas primeiras horas de ausência no emprego, por outras razões que não a minha morte, quem me conhece julga que não sou de morrer ainda, eu não sei.
Talvez de barriga para baixo me encontrem, nu de verão, coberto se de Inverno, é assim que adormeço, talvez seja assim no dia em que não acordar.
Uma ambulância e pessoas que moram perto, uma maca e gente que sabe de onde lhes vem o choro, é deste modo que a morte pinta o quadro, que cheiro terei eu que nunca me cheirei morto.
A luz acesa indica que pudesse estar acordado, apaguem-na, preferia que me soubessem a dormir, a sonhar miúdo quando caçava a vida aos pássaros manhã cedo, e podia ver o ar quente que levava na boca, feliz de dia e já de cigarro escondido, até do cancro.
Arrefecem depressa quando o chumbo lhes entra, perdem como nós o que o pescoço tem de direito, a cabeça baixa, hoje não seria capaz.
Foram dias muito felizes os da minha infância, fruta, ácida, tirada das árvores, conheci tantas mães de coisas, as figueiras largas, boas para baixar as calças, onde nunca fomos os únicos a lá ter estado, é o que a paisagem nos diz.
Uma folha de figueira no rabo e a luz ténue e difusa sobre e entre as que nos cobrem, talvez seja isso que nos falta, e só isso nos descubra.
Cresci mas foi para dentro como um nevoeiro, por isso não sei de que altura sou, só a infância soube medir e já não chego lá, não me entristeço porque é natural em mim, deixar sempre figos na árvore, não me pergunto e vou trabalhar amanhã se isso depender de mim.

António

Entre duas garrafas António, escorreu a tua e a sede dela, há momentos assim, fica a ideia que as vidas se podem entornar dessa maneira como o vinho na toalha,
assim percorra o braço qualquer um dos estados e sobre na mão o que ficou de viver.
É bonito António, não evites dizê-lo, ainda que te pareça menos adequado e possa levar a falhar o corpo que cruzou a perna por baixo da mesa, nem sempre sorrir de cintura nos dá o melhor lugar, com o tempo ficamos a saber da cama a sua curta memória.
Há pessoas que não são para nos deitarmos com elas, mesmo que o desejemos, não são,
são de ir mais longe, depois da conversa já se tocaram os sentidos todos, morreu a tesão, até a tua que agora só lá iria para um curto exercício, como homem sabes o que isso é.
Os corpos quando se ladram, ladram, como o cão ao fundo da rua te espera sem palavras necessárias para que não te esqueças delas.
António, ainda achas que é entrando no corpo delas que ficamos lá, sei que sabes que não é, quantas vezes mais vezes na mesa significa mais longe da cama, e olha que não é mau de todo António, uma agradável toalha de mesa não há muitos cotovelos que o saibam.

Friday, August 24, 2007

…diz só o essencial, sim podes calar-te, fechar os olhos e adormecer, não teres hoje ombros para mais.
Amanhã abro-te a janela a duas mãos suaves, digo o teu nome com a minha boca, e afasto de vez a distancia que estou de ti, quantos dias nos faltam, não sei, por isso os quero agarrar tanto, não perder um segundo que seja da tua respiração, ouvir-te dormir durante muitos anos os dias que nos faltam.Recebi ontem uma notícia que dizia, nunca hás-de ser feliz, era o que precisava de ouvir, abri a janela a duas mãos suaves, dormias tão tranquila que não deste pela luz que inundou o quarto, tens razão, temos de saber o que fazer com uma notícia dessas

Wednesday, August 22, 2007

Oceamo

Tenho o coração aberto neste talho de vida e dois cirurgiões amigos a brincar com ele numa tarde em queda livre sobre o oceano, nunca pensei que fosse tão vermelho,
nunca pensei que me custasse tanto nada me ter custado, abri-lo assim…
Acredito no momento em que todos os peixes virão à superfície para calar o mar,
num coração de agua o melhor retrato de família será comê-lo.
O meu dentro de um sargo, dentro de duas sardinhas, lulas a meio fundo, e ainda o que restar de migalhas cardíacas para alimentar esse amor que mergulhou.
O teu rosto húmido é coisa que ninguém sabe, não anda pela casa na sua altura, nem cabelos teus nesta falsa madeira, foi nesse coração que se afundou.

Ou segues os peixes, ou sentas-te à mesa, uma e outra escolha, as duas tão longe…
Estou numa banca de peixe, na barriga de uma rede, na ponta do fio de um fio, de faca na mão a procurar-te, é o que tenho feito, por ti.

Tuesday, August 21, 2007

Enquanto o sangue souber o caminho e a respiração subir
olharei o tempo como se este fosse o embrulho da luz e da escuridão, caindo sobre a carne do amor

Friday, August 10, 2007

Agora está tudo quieto, as horas pousam na nossa vida como pássaros sem qualquer desafio, não são da cidade como nós não somos hoje, mais do que um voo perdido para um qualquer lugar da árvore …

Monday, August 6, 2007

Gostava tanto de saber a tua língua,
gostava tanto de a saber falar
Fumar matou-me o medo de morrer são de nicotina sangra-mina e alcatrão, o meu pulmão.

Wednesday, August 1, 2007

Um ananás

No dia em que a doença te adoeceu levei-te um ananás, uma faca de lâmina viva, dois pratos lisos, mais duas facas suaves, dois garfos alegres.
Sentei-me à beira do que te segura deitado e descasquei isso.
Abriste tantas vezes a tua boca comigo que não consigo calar-me de ti,
sei que gostaste do ananás que te pus na cabeceira de ferro, havia flores mas preferi o ananás, às pessoas que amamos devemos dar-lhes o que elas gostavam de comer,
um ananás Gilberto, foste-te embora com um ananás à cabeceira, era o mínimo que podia fazer por ti.