Monday, August 27, 2007

Um dia dão comigo morto na cama, morto de um dia ou dois, há gente próxima que me procuraria logo nas primeiras horas de ausência no emprego, por outras razões que não a minha morte, quem me conhece julga que não sou de morrer ainda, eu não sei.
Talvez de barriga para baixo me encontrem, nu de verão, coberto se de Inverno, é assim que adormeço, talvez seja assim no dia em que não acordar.
Uma ambulância e pessoas que moram perto, uma maca e gente que sabe de onde lhes vem o choro, é deste modo que a morte pinta o quadro, que cheiro terei eu que nunca me cheirei morto.
A luz acesa indica que pudesse estar acordado, apaguem-na, preferia que me soubessem a dormir, a sonhar miúdo quando caçava a vida aos pássaros manhã cedo, e podia ver o ar quente que levava na boca, feliz de dia e já de cigarro escondido, até do cancro.
Arrefecem depressa quando o chumbo lhes entra, perdem como nós o que o pescoço tem de direito, a cabeça baixa, hoje não seria capaz.
Foram dias muito felizes os da minha infância, fruta, ácida, tirada das árvores, conheci tantas mães de coisas, as figueiras largas, boas para baixar as calças, onde nunca fomos os únicos a lá ter estado, é o que a paisagem nos diz.
Uma folha de figueira no rabo e a luz ténue e difusa sobre e entre as que nos cobrem, talvez seja isso que nos falta, e só isso nos descubra.
Cresci mas foi para dentro como um nevoeiro, por isso não sei de que altura sou, só a infância soube medir e já não chego lá, não me entristeço porque é natural em mim, deixar sempre figos na árvore, não me pergunto e vou trabalhar amanhã se isso depender de mim.

4 comments:

SP EU said...

Quantos dias faltam? Parar agora porquê?
AMei alguem a quem quase proibi o cancro dos pulmões e hoje tambem não está aqui...podia ter vivido o vicio da melhor forma sem que lhe queimasse a vontade de viver.
Deixou saudades, muitas saudades...

Anonymous said...

E porque nao somos a altura que temos, mas o que temos na altura que somos...fizeste-me recordar este poema...

"Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?

E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?

Ninguém responde, a vida é pétrea."
C. Drumond

Beijoss

Miguel Patrício said...

Um beijo terno para ti, gostei muito do poema que enviaste.

Anonymous said...

foram dias felizes os da minha infância...o tempo do que sentiamos era diferente do de querermos pensar, era maior, dava mais.
foram dias felizes os da minha infância... e eu trago-os comigo aqui, sempre aconchegados. Guardados. E às vezes numa mesa qualquer, com ou sem toalha mostro-os. E depois volto a guardá-los e paracem sempre mais pesados. um peso bom de sentir.
M.