Sunday, January 6, 2008

Diga lá se não era um milagre...

O que julgarão de mim os cigarros doutor, que nunca mais os levei à boca, criança que se espraia zangada na minha alma, por não ir ao parque de diversões, o que julgarão de mim doutor.
Nunca mais tive pódio depois do amor feito, nem na nuca uma almofada a dirigir o fumo, comi de forno o borrego e não existi depois, foram tantos anos de incêndio doutor, não se torna fácil esta planície verdejante, a paz deste arroz a eclodir no algodão,
transtorna-me, a humidade ausente de fumo, transtorna-me.
Eram manhãs de vinte num corpo de papel a descer da máquina, o maço e o troco em cima do jornal, bom dia senhor Alberto, eu a voar de pacote familiar debaixo do braço no aeroporto, avisam-se todos os passageiros que é proibido…grave.
Sei lá eu se no meio desta história o pulmão me agradece, sei lá eu se respiro melhor, se o paladar melhorou, se o paladar é meu, ou de outro, estava capaz de abrir a caixa torácica daquele gajo para lhe aspirar o veneno, para descobrir a verdade no efeito alheio, que parvoíce, não há mineiro que transporte esse amor para uma radiografia, vem à luz do dia celebrar, apenas, é dura a vida.
Lamento mas não poderei jantar contigo, Artur, nem amanhã, nem tão pouco nos próximos dias, quem sabe nos anos vindouros, quem sabe nunca mais, a não ser que te falhe a cabeça, como eles dizem, só na ala psiquiátrica é permitido fumar, a um louco tudo se permite porque tudo é muito pouco, pode ser que aconteça, Artur, uma sandes de atum e um tomate onde espetar o garfo, pode ser que aconteça, esperarei por ti no corredor, no quarto vinte e três há caldeirada de Peniche, não te enganes na porta, são dois irmãos de mar, o barco ardeu ao largo, como a vida, Artur, tantas vezes nos falha o lado, olha, traz tabaco, eu abro a janela.
Pode ser que aconteça doutor, pode ser que aconteça, eu já a vi mais escura, diga lá se não era um milagre, bem servida de enguias e safio, os dois peixes que mais gosto nela, hum…tenho a sensação que não volto a Peniche doutor, nesta vida já não, eram dois irmãos de mar, o barco ardeu ao largo, desaprendeu de respirar a onda pelo nariz, é dura a vida doutor, já a vi mais clara e oxigenada, diga lá se não era um milagre?

1 comment:

violeta13 said...

muito bom, maravilhoso! como gostei de abrir esta porta! um abraço.